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O Menino do Pijama Listrado é uma grande fábula sobre inocência e preconceito


Bruno, um jovem alemão de apenas nove anos, foi obrigado a abandonar sua grande casa em Berlim e mudar-se para uma região afastada, onde não tem ninguém para brincar. Da janela de seu novo quarto, o menino enxerga uma cerca que separa centenas de pessoas, todas de pijamas, que o deixam com um frio na barriga. Em uma de suas saídas para explorar o mundo, Bruno aproxima-se da cerca antes só vista a distância e, atrás dela, percebe a figura de um garoto que revela-se como Shmuel. Os dois passam a conversar todas as tardes, e aos poucos o menino começa a desvendar mistérios sobre seu pai, o motivo de sua mudança e o porquê de todas aquelas pessoas viverem longe deles, além de descobrir o verdadeiro sentido de amizade.

Inocência é a palavra que mais descreve O Menino do Pijama Listrado e seu protagonista, Bruno. Seu pai é um soldado renomado, um dos preferidos de Hitler (a qual o garoto se refere com "O Fúria"), mas o garoto pouco sabe sobre seu trabalho: apenas acha um incômodo que tenham de ter deixado sua linda casa em Berlim para morar em Haja-Vista, um lugar sem graça, sem crianças para que Bruno possa brincar e sem cinco andares. 


A tradução é, de longe, a mais interessante. Como citado acima, Bruno refere-se a Hitler como "O Fúria", não em um ato de irritá-lo ou ir contra a sua pessoa, o garoto sequer percebe a importância líder nazista tinha ou, muito menos, sabe o que é nazismo. Seu modo de chamá-lo era, simplesmente, por não entender "Der Führer", modo respeitoso a qual Hitler era referido, sendo "führer" a palavra alemã para "líder" ou "chefe", deferivada do verbo "führen", "conduzir" em português. Em sua tradução brasileira, ganha ainda o significado conotativo por Fúria, que faz muito sentido considerando todo o contexto histórico no qual estava inserido e suas ações.

Já Haja-Vista, entretanto, não possui relação semântica com o seu verdadeiro significado, sendo levada em consideração apenas a sonoridade da palavra em sua solução tradutória. Segundo Bruno, com seu olhar inocente, o nome do local para qual foram obrigados a se mudarem é Haja-Vista, mas novamente não passa de um desentendimento auditivo do garoto: o local, na verdade, é Auschwitz, e é difícil pegar a referência apenas com base na tradução da palavra. Em inglês faz mais sentido, sendo traduzido como "Out-With" ("Fora-Com"), que relaciona-se sonora e semanticamente ao original, estando "fora" da realidade de Bruno, algo que ele não entende. Os créditos da tradução ficam sob Augusto Pacheco Calil.

Esses deslizes auditivos do garoto apenas colaboram com a experiência do leitor, que precisa relacionar seus conhecimentos históricos e sua capacidade de interpretação para compreender situações que não ficam tão explícitas no livro, embora, a qualquer leitor, já seja claro que se trata de uma história sobre a Segunda Guerra Mundial. O modo como essas informações não são mastigadas nem por meio do narrador observador são importantes para o processo de compreensão do universo de uma criança ariana, inocente, em meio ao ápice do nazismo.


Devido a sua pureza em relação aos conhecimentos políticos atuais e históricos do país, o garoto não compreende muito do que está a sua volta, levando-o até mesmo a fazer amizade com Schmuel, um judeu em campo de concentração que, curiosamente, nasceu no mesmo dia de Bruno, mas possui uma história de vida completamente diferente pelo fato de ser judeu. 

Aos olhos de Bruno, entretanto, a vida deles não é tão diferente assim, muito pelo contrário, Bruno alegremente afirma ter inveja de Schmuel, pois este vive em um lugar onde há centenas de outras crianças, sem compreender o verdadeiro sentido daquele lugar e que não há felicidade ou liberdade para se brincar por ali. Bruno, inclusive, compara problemas de sua vida aos de Schmuel, dando ao personagem um certo ar irritante por sua incapacidade de compreender o que há de verdade do outro lado da cerca, mas que em nada podemos julgá-lo, considerando sua idade e como as coisas não lhe eram explicadas com todas as palavras, dificultando seu entendimento.

Schmuel, por sua vez, não aparenta se importar tanto com as incomodações do garoto, gosta sinceramente de sua companhia, sendo esta uma das poucas coisas que alegram sua vida de prisioneiro - embora Bruno não seja capaz de compreender que esta é a real situação de seu novo amigo. Schmuel, apesar de saber um pouco mais sobre os judeus, os soldados e campos de trabalho forçado por estar inserido neste outro lado da história, ainda não compreende coisas que vão muito além de sua idade, como o desaparecimento de pessoas que foram marchar e nunca mais voltaram - enquanto nós, leitores, sabemos seu fúnebre destino. 


Escrito pelo irlandês John Boyne e publicado originalmente em 2006 como uma fábula (sem animais), leva por sua própria definição a proposta de não representar um relato realista do Holocausto, mas apresentar uma lição de moral. Segundo o próprio autor, levou apenas dois dias e meio para que o livro ficasse pronto, seguindo a linha de pensamento ingenuo e simples da perspectiva do pequeno alemão, mas grande o suficiente para conseguir vender cinco milhões de cópias ao redor do mundo. 

Descreve a relação entre um garoto alemão filho de um grande soldado nazista e um oprimido polonês preso em Aushwitz que se encontravam diariamente nas cercas do campo de concentração, revelada aí as principais críticas do livro por passar uma impressão enganosa de como era a vida nos campos de concentração: as cercas eram altamente monitoradas, assim como seus prisioneiros, e tampouco haviam crianças menores de 15 anos: estas eram imediatamente enviadas para o extermínio. De acordo com estatísticas do Serviço de Atribuição de Trabalho, contrariando as críticas, Auschwitz continha 619 crianças vivas do sexo masculino de um mês a 14 anos de idade em 30 de agosto de 1944, sendo que algumas foram empregadas como mensageiras do campo.

Entretanto, quando o próprio escritor afirma se tratar de uma fábula, não há do que se reclamar: a mensagem de como o preconceito muda as pessoas é passada com maestria pelos olhos de um garoto inocente que, mesmo envolvido em um núcleo familiar corrompido, não compreende o cenário.


Vencedor de duas premiações irlandesas (Seleção Popular do Livro do Ano e Livro Infantil do Ano) e do prêmio Bisto de Livro Infantil do Ano em 2007, o sucesso do livro não só em seu país de origem como em todo o mundo foi tamanho que rendeu, inclusive, uma adaptação cinematográfica homônima em 2008, dirigida por Mark Herman e protagonizada por Asa Butterfield (A Invenção de Hugo Cabret, O Orfanato da Srta. Peregrine para Crianças Peculiares, O Espaço Entre Nós) como Bruno e Jack Scanlon (Runaway, Marriage Single Other) como Schmuel.

O filme retrata com muita fidelidade os acontecimentos do livro e ambos carregam a linda moral contra o preconceito, valendo a pena tanto a leitura da obra escrita quanto a leitura de sua versão audiovisual.

Ficha Técnica
Autor: John Boyne
Título original: The boy in the striped pajamas
Título adaptado: O menino do pijama listrado
Gênero: Amizade, ficção
Lançamento no Brasil: 2007
Editora: Seguinte
Páginas: 191

Texto de apoio: Literaturesalon's Blog

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