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Bao, a universalidade do amor materno e a representatividade chinesa em Hollywood


Bao é o mais novo filme animado em curta-metragem da Pixar, transmitido originalmente antes das sessões de Os Incríveis 2, nos cinemas. Com nome que pode ser traduzido para o português como "precioso", apresenta um pequeno bolinho tradicional chinês que ganha vida e passa a ser cuidado pela senhora que o fez.

A senhora, na verdade, é a grande personagem do filme, onde nela é representada toda a maternidade, com ênfase à síndrome do ninho vazio, quando os filhos crescem e deixam a casa dos pais para viverem suas próprias vidas. Tomada pela tristeza, vê no pequeno bolinho a chance de reviver a única alegria de sua vida - ser mãe.


Assim, a doce senhorinha passa a cuidar de Bao, o bebê bolinho, como se fosse seu próprio filho. Com traços humanizados, o pequeno se alimenta, chora e dorme como qualquer criança, mas sua massa assada à vapor é muito frágil, e a senhora, agora sua mãe, toma um posicionamento muito coruja em relação a sua criação, não permitindo, por exemplo, que ele brinque com as outras crianças - estas, humanas, que não se importam com o fato dele ser um bolinho.

Mas, como toda criança, Bao tem seus próprios impulsos e rebeldia infantil, o que as vezes pode tirar sua mãe do sério. Ainda em sua humanização, Bao cresce em tamanhos e em atitudes, e a senhora acompanha todo o seu desenvolvimento até onde lhe é permitido - lembrando a fase caótica da adolescência e os problemas que acompanham a vida adulta. De repente, tudo está se repetindo.


A versão crescida de Bao é um rapaz respondão e problemático que, sendo ele mesmo, acaba mesmo não intencionalmente provocando o terror em sua mãe. Quando ameaça sair de casa de uma vez por todas, envolvendo-se em um casamento, quem coloca o terror desta vez é a mulher que o criou, confinando-o a manter-se dentro de casa: não poderia passar duas vezes pela perda de um filho.

Em um ato impulsivo, então, o come. É a maior representatividade do domínio que uma mãe deseja ter por seu filho e, se até então você só via pelo lado dela de querer ser mais próxima ao jovem, muda de lado quando o amor materno ganha este tom obsessivo/possessivo que interfere na liberdade do filho, anulando-a por completo. O ato é chocante e repulsivo até para a própria mulher que, assim que percebe o que fez, se põe a chorar.


Na ficcionalidade dos curtas animados, logo somos levados a verdadeira versão da história: o bolinho, de fato, não passou de uma representação de seu próprio filho, um pesadelo onde a mãe se sentia abandonada e buscava, no desespero de seus pensamentos, alguma oportunidade de tê-lo novamente. Deitada na cama, é visitada pelo filho original e são claras suas semelhanças com o bolinho chinês, que não havia passado de uma ilusão. As coisas se resolvem, como todo final feliz, e "Bao" continua livre para viver sua vida, mas torna-se mais receptivo com sua progenitora.

De intensa subjetividade narrativa, não ganha complexidade por dualidades linguísticas quando, mesmo de ambientação chinesa, não passa pelo idioma local ao optar por manter-se como um filme mudo, que entrega toda a sua expressividade por meio de ações e cores, com apoio somente na musicalidade que brinca entre tons alegres, no início do filme, e vai ganhando força e temor conforme se aproxima do final para, então, desabrochar em sentimentalismo.


Quem dá esse ar oriental e materno à Pixar é a diretora Domee Shi, de O Bom Dinossauro e Toy Story 4, em parceria a produtora Becky Neiman. Cineasta chinesa-canadense, Shi afirma que se inspirou em sua própria família, sendo filha de imigrantes chineses, para elaborar o curta - qual começou a se dedicar há mais de quatro anos, por dois tendo trabalhado sozinha. Shi é, ainda, a primeira mulher a dirigir um curta animado da Pixar, dando um grande passo em representatividade feminina dentro da empresa.

A pesquisa, como conta ao Los Angeles Times, incluiu um processo interessante de viagens a Chinatown e aulas de cozinha chinesa lecionadas por sua própria mãe à equipe de produção da Pixar, que filmava suas mãos amassando a massa para usarem como material de referência para a animação. Com apoio de Rona Liu, produtora de design que também é descendente de chineses, trabalhou detalhes da representatividade cultural do povo chinês, como os rolos de papel higiênico presentes na mesa da cozinha, pois os imigrantes consideram mais prático que o uso de lenços de papel, segundo Shi. 


Ainda quanto a representatividade, a diretora afirma estar ciente das baixas estatísticas de filmes produzidos sobre imigrantes em Hollywood e que esta foi uma de suas principais motivações para desenvolver essa história que, mesmo sendo asiática-americana, fala a linguagem universal do amor materno. Shi ainda comenta que foi uma preferência e esforço contarem a história de maneira visual, relacionando o feito ainda com a cultura chinesa, onde tende-se a mostrar o amor e comunicar-se por meio de ações e emoções, mais do que com diálogos.

Quanto a intensa cena do bolinho sendo comido, Shi explica que foi uma ideia que carregou desde o começo, inspirada em sua própria vida, ouvindo frequentemente de sua mãe que gostaria de colocá-la de volta em sua barriga para que ela soubesse exatamente onde a garota estaria o tempo todo. É algo que Shi sempre considerou fofo, mas ao mesmo tempo assustador, e gostaria de explorar esses sentimentos - assim representados quando a própria mãe se arrepende do ato. Em suas palavras, trata-se de "aquele sentimento primitivo de querer tanto amar algo a ponto de estar disposto a destruí-lo para que ele não desapareça".


Assim, fica claro a autobiografia de Shi como principal inspiração para a produção de seu primeiro curta-animado, com base na representação não somente de sua vida, mas de toda a cultura de seu povo e, ainda, de maneira poderosa e eficaz, conseguir atingir planos universais de maneira tocante, chocante e com uso mestre da linguagem visual que colabora ainda mais com a delicadeza da obra. 

Com seu suave e ao mesmo tempo grotesco sentimentalismo que brinca entre as emoções da maternidade e a representatividade chinesa, Bao, obra da Pixar, abre as portas do estúdio a novas possibilidades de imersão cultural asiática, ainda pouco explorada em Hollywood, Sua narrativa é singular, mas fica a satisfação pela possibilidade de se assistir a algo tão diferente e, ao mesmo tempo, tão familiar - mas, sem sombra de dúvidas, perfeitamente produzido. Se o ingresso de Os Incríveis 2 já valia por se só, o bônus de Bao só eleva ainda mais o nível da sessão e a vontade de retornar para ver uma segunda vez. 

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2 Comentários

  1. Bao foi o curta mais lindo q assisti na minha vida... de uma sensibilidade unica

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  2. Quase chorei quando vi no cinema. Quem estava ao meu lado não entendeu as minhas lágrimas. Uma pena não terem se deixado tocar por um curta tão belo e delicado

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