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Carrie, a estranha: Fenomenal terror psicológico epistolar entre instabilidade, fanatismo religioso e telecinese


Atualmente conhecido por Mestre do Terror, Stephen King começou sua carreira no mercado editorial em 1974 com a publicação de Carrie, alongado no Brasil para "Carrie, a estranha", escrito por King durante um momento de instabilidade emocional, segundo o próprio autor, o que pode ser sentido durante a leitura da obra.

Trata-se de um romance epistolar, mas não ao estilo Pâmela ou As Vantagens de ser Invisível, com cartas iniciadas com "Querido Fulano," e sempre terminadas com alguma assinatura melosa, como "Com amor, Ciclano" ou "Afetuosamente, Deltrano", mas como uma reunião de trechos de livros biográficos, documentos, pesquisas acadêmicas e reportagens sobre o caso de Carrieta White, a garota desajustada com talentos telecinéticos, TC. 


Amarrando a narrativa em terceira pessoa sobre os acontecimentos acerca de Carrie a textos publicados posteriormente a grande tragédia que culminou no baile de formatura da Ewen High School, conhecemos a conturbada história de uma garota socialmente reprimida, vítima de fanatismo religioso em sua própria casa e de bullying no ambiente escolar. Em meio a tudo isso, Carrie descobre que possui poderes sobrenaturais e busca aprender a dominá-los, sendo esta a sua única arma contra a sua triste realidade. Sem ter para onde correr, a garota tenta acreditar que ao menos o dia de sua formatura será diferente, mas o que deveria ser o cenário de uma grande festa torna-se o rosto da destruição após uma sucessão de tragédias, jogos de vingança, deboche e muito horror.

Não é um livro que cause medo: em vez de trabalhar com a caracterização do medo, Stephen King aborda em Carrie o terror psicológico e as agonias da mente humana, o que pode ser tão assustador quanto demônios personificados ou criaturas mascaradas. O retrato da mente da protagonista, principalmente, faz-se muito presente ao longo do texto conforme, entre parágrafos, King nos presenteia com um pequeno olhar a toda a manifestação de pavor na mente de uma jovem que, em toda a sua vida, só experimentou crueldade.


Nestes trechos de invasão a sua psique, usa-se da linguagem poética para uma maior representação da realidade humana, deixando de lado a gramática normativa para, sem letras maiúsculas, vírgulas ou coesão, demonstrar com fidelidade a singularidade de nossos fluxos de pensamento: confusos, insensatos, por vezes obscuros, mas que dizem mais sobre nós do que o que sai de nossa boca. Assim temos acesso a todo o sofrimento de Carrie, sua carga sentimental dominada pelo abuso psicológico e religioso que sofreu desde o nascimento e sua estranha relação com o sangue e com o pecado. "Viver é enfrentar, a cada dia, o terrível peso da culpa", diz o texto de apresentação na contra capa do livro, publicado no Brasil pela Suma, selo da Companhia das Letras que tem arduamente se dedicado às obras de Stephen King.

Dessa forma, a mentalidade da garota, a sua recepção a telecinese e o modo como lida com todos os problemas ao seu redor tornam-se mais importantes do que o próprio elemento sobrenatural em si. Os demais personagens da trama ganham voz durante o desenvolvimento da frágil protagonista que se vê presa sob as garras de uma mãe que a considera a própria cria do Diabo e de suas vontades pessoais, sempre vetadas. Ao lado de tudo isso nasce a sua ridicularização pública, com a velha questão preconceituosa de odiar aquilo que não se entende - e ninguém, de fato, entendia Carrieta. Nem mesmo ela própria.


Destaco, principalmente, a figura da mãe - pois de materna não tem nada - e sua cegueira religiosa que ultrapassa qualquer limite do considerado aceitável quando enaltece um Deus de ódio e, por Ele, não se preocupa em medir atos cruéis contra a própria filha - esta, que de filha não tem nada: é a própria cria do Diabo, a personificação do pecado, um peso a ser carregado e que deveria ter sido morto assim que nasceu. Tamanho rancor, tamanha obstinação, tamanha a crítica de Stephen King ao carregar a temática e os absurdos sofridos pela protagonista vítima de fanatismo.

Sue entra quase como uma segunda narradora, em apoio ao observador, quando sua voz faz-se presente entre os documentos registrados, autora de um livro autobiográfico onde revela memórias sob seu ponto de vista pessoal a respeito da noite do baile, de Carrie e de sua participação em toda a carnificina. A escolha do autor por tornar o livro epistolar ganha ainda mais força quando as vozes dos textos secundários da narrativa carregam outros sentimentos, olhares e reações a história.

Retomo, portanto, a instabilidade emocional do autor enquanto escrevia o livro. Personagens tão emocionalmente profundas e tridimensionais como as criadas para esta narrativa só poderiam ter criado vida no papel caso a mesma profundidade estivesse sido vivenciada por quem as escrevia. É incrível a mentalidade de King ao, em um único livro, conseguir criar pelo menos cinco textos diferentes que não só conversam entre si, mas se completam e se entendem em tamanha plenitude que, pode até ser possível imaginar Carrie linear, mas não seria tão intrigante e intenso como a versão que conhecemos: um nato romance epistolar com incrível capacidade de horrorizar o psíquico. 

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